Não faz muito tempo os valores empresariais foram revistos nos mais variados setores da economia.
A começar pelo surgimento de uma nova e crescente consciência ecológica a respeito de tudo e passando pela histórica e hj mais fervorosa necessidade de lucros que beira o inconseqüente.
O mundo muda, mudam os valores, muda o léxico inevitavelmente...
Algumas palavras foram sutilmente incorporadas à chamada “linguagem empresarial”, que foi aos poucos inventando-se quase como um novo dialeto, uma norma particular. Neste novo espaço dentro do velho linguajar, é figurinha carimbada, recorrente e freqüentadora dos mais badalados escritórios, e dos mais furrecos também, o gerúndio do absurdo (vou estar fazendo, vou estar enviando, vou estar qq coisa),via de regra com um irritante sotaque que remete à tônica paulista de dizer as coisas. Mas eu não estou aqui para tratar de gerúndios (muitíssimo) incomodativos porém sedimentados, apesar de aproveitar para deixar registrado meu repúdio a este uso. Estou mais por um desabafo diante de novos termos e novos nomes para velhas e deploráveis situações.
Chamou-me atenção um anúncio veiculado em rádio em que era feita a seguinte pergunta:
“Sua empresa tem funcionários sobrecarregados ou colaboradores multifuncionais?”
Vamos lá, o que vem a ser um colaborador multifuncional senão um funcionário sobrecarregado? Qual é, além do nome, a grande diferença?
Formulei o seguinte pensamento: um colaborador multifuncional é um nome que dissimula alguma importância à função. È o mesmo que chamar um anão de pessoa verticalmente desfavorecida, ou como dizia um amigo usar comunidade como “metonimiazinha de merda para dizer favela!”. O que acontece enfim é que o “colaborador multifuncional” se sente todo orgulhoso e enche a boca para responder quando perguntam a ele sobre o que faz de vida. Sou um colaborador multifuncional com alto índice de empregabilidade. O pobre chega a se esquecer que é um corno sobrecarregado e subfaturado, o vulgo fodido e mal pago. E sobre o alto índice de empregabilidade, o infeliz nem percebe que é pura balela administrativa para convencê-lo a absorver maiores responsabilidades e mais trabalho, porque quando o tal do esperado emprego pintar é muito provável que o sobrinho da secretária gostosa que o chefão está pegando seja o escolhido... Mas considerando o currículo do cara:
Analista pleno de programação televisiva vespertina (passou a vida toda diante da TV assistindo à sessão da tarde)
Gestor de atividades noturnas multiculturais (volta e meia organiza umas paradas maneiríssimas tipo lual, reuniãozinha, bailinho Cult, baile funk)
Coordenador de atividades físicas marinhas matinais diárias (todo dia é certo de juntar a galera pra pegar umas ondas...)
Possuidor de alto nível de comprometimento com atividades do ócio (pô, isso aí, cara, só, mor sono mermão, mor lombeira, cara)
Enfim, diante de um currículo deste até mesmo um colaborador multifuncional, com alto índice de empregabilidade se sente um merda.
Repare ainda neste currículo brilhante, na presença de uma incrível função de gestor e de uma incrível e nova qualidade o comprometimento.
Não tenho muita certeza, mas acho que não existe o verbo “gestionar”. Até onde eu aprendi, quem cuida da gestão de alguma coisa é o gerente, é quem gerencia determinado estabelecimento ou atividade, mas posso estar redondamente enganada. Sobre o que tenho certeza mesmo é que comprometer-se com alguma coisa, é ter um compromisso com ela e não um comprometimento, apesar de comprometimento ser um termo dicionarizado. Mas, siga meu racicínio, quem se compromete se obriga a um compromisso. Comprometimento é a ação de comprometer, ou seja ter comprometimento é exercer a ação de comprometer-se, que é obrigar-se a um compromisso, porra, então porque não ser compromissado logo? Isso deve ter sido uma importação metida que tenta se assemelhar com a palavra “commitment” do inglês, sei lá, mas me soa muito estranho principalmente pelo fato de que ela foi rapidamente incorporada e aceita quase a ponto da outra palavra ter sido esquecida.
Enfim, nesse novo mundo pós moderno corporativo vazio, quem tem cara de pau é rei e de uma tão grandiosa majestade que capaz de mudar uma língua de raízes históricas remotas.
Tudo bem, falando assim até parece que sou defensora calorosa do português clássico e blá blá blá... Não. Nestas minhas colocações inclusive, não será preciso muita atenção para encontrar construções subversivas e contrárias à norma padrão do português. Tive uma formação pautada numa visão variacionista da língua, mas devo confessar que estou esgotada da lingüística do corporativismo atual, que me soa falsa e oca.
Com isso vou estar ficando por aqui, depois de ter sido preterida apesar de todo meu comprometimento e minha multifuncionalidade, diante da opinião do gestor de minha unidade de que eu não possuo o adequado perfil gerencial, mas com todos os devidos agradecimentos por ter gerenciado e atuado sozinha no setor, durante período (de dois meses) de ausência temporária de pessoa qualificada para lidar com as demandas logísticas do segmento.
Tudo bem, beleza, tah tranqüilo, agora posso me dedicar com mais qualidade ao compromisso com minha família e comigo, procurar uma atividade física, dormir até mais tarde, fazer horas extras só quando da minha vontade e não corriqueiramente como incorporadas ao horário obrigatório e ainda planejar outras alternativas e opções de investimento na minha carreira profissional. A propósito, obrigada Sr. Gestor da unidade. Nada como uma boa puxada de tapete...
A começar pelo surgimento de uma nova e crescente consciência ecológica a respeito de tudo e passando pela histórica e hj mais fervorosa necessidade de lucros que beira o inconseqüente.
O mundo muda, mudam os valores, muda o léxico inevitavelmente...
Algumas palavras foram sutilmente incorporadas à chamada “linguagem empresarial”, que foi aos poucos inventando-se quase como um novo dialeto, uma norma particular. Neste novo espaço dentro do velho linguajar, é figurinha carimbada, recorrente e freqüentadora dos mais badalados escritórios, e dos mais furrecos também, o gerúndio do absurdo (vou estar fazendo, vou estar enviando, vou estar qq coisa),via de regra com um irritante sotaque que remete à tônica paulista de dizer as coisas. Mas eu não estou aqui para tratar de gerúndios (muitíssimo) incomodativos porém sedimentados, apesar de aproveitar para deixar registrado meu repúdio a este uso. Estou mais por um desabafo diante de novos termos e novos nomes para velhas e deploráveis situações.
Chamou-me atenção um anúncio veiculado em rádio em que era feita a seguinte pergunta:
“Sua empresa tem funcionários sobrecarregados ou colaboradores multifuncionais?”
Vamos lá, o que vem a ser um colaborador multifuncional senão um funcionário sobrecarregado? Qual é, além do nome, a grande diferença?
Formulei o seguinte pensamento: um colaborador multifuncional é um nome que dissimula alguma importância à função. È o mesmo que chamar um anão de pessoa verticalmente desfavorecida, ou como dizia um amigo usar comunidade como “metonimiazinha de merda para dizer favela!”. O que acontece enfim é que o “colaborador multifuncional” se sente todo orgulhoso e enche a boca para responder quando perguntam a ele sobre o que faz de vida. Sou um colaborador multifuncional com alto índice de empregabilidade. O pobre chega a se esquecer que é um corno sobrecarregado e subfaturado, o vulgo fodido e mal pago. E sobre o alto índice de empregabilidade, o infeliz nem percebe que é pura balela administrativa para convencê-lo a absorver maiores responsabilidades e mais trabalho, porque quando o tal do esperado emprego pintar é muito provável que o sobrinho da secretária gostosa que o chefão está pegando seja o escolhido... Mas considerando o currículo do cara:
Analista pleno de programação televisiva vespertina (passou a vida toda diante da TV assistindo à sessão da tarde)
Gestor de atividades noturnas multiculturais (volta e meia organiza umas paradas maneiríssimas tipo lual, reuniãozinha, bailinho Cult, baile funk)
Coordenador de atividades físicas marinhas matinais diárias (todo dia é certo de juntar a galera pra pegar umas ondas...)
Possuidor de alto nível de comprometimento com atividades do ócio (pô, isso aí, cara, só, mor sono mermão, mor lombeira, cara)
Enfim, diante de um currículo deste até mesmo um colaborador multifuncional, com alto índice de empregabilidade se sente um merda.
Repare ainda neste currículo brilhante, na presença de uma incrível função de gestor e de uma incrível e nova qualidade o comprometimento.
Não tenho muita certeza, mas acho que não existe o verbo “gestionar”. Até onde eu aprendi, quem cuida da gestão de alguma coisa é o gerente, é quem gerencia determinado estabelecimento ou atividade, mas posso estar redondamente enganada. Sobre o que tenho certeza mesmo é que comprometer-se com alguma coisa, é ter um compromisso com ela e não um comprometimento, apesar de comprometimento ser um termo dicionarizado. Mas, siga meu racicínio, quem se compromete se obriga a um compromisso. Comprometimento é a ação de comprometer, ou seja ter comprometimento é exercer a ação de comprometer-se, que é obrigar-se a um compromisso, porra, então porque não ser compromissado logo? Isso deve ter sido uma importação metida que tenta se assemelhar com a palavra “commitment” do inglês, sei lá, mas me soa muito estranho principalmente pelo fato de que ela foi rapidamente incorporada e aceita quase a ponto da outra palavra ter sido esquecida.
Enfim, nesse novo mundo pós moderno corporativo vazio, quem tem cara de pau é rei e de uma tão grandiosa majestade que capaz de mudar uma língua de raízes históricas remotas.
Tudo bem, falando assim até parece que sou defensora calorosa do português clássico e blá blá blá... Não. Nestas minhas colocações inclusive, não será preciso muita atenção para encontrar construções subversivas e contrárias à norma padrão do português. Tive uma formação pautada numa visão variacionista da língua, mas devo confessar que estou esgotada da lingüística do corporativismo atual, que me soa falsa e oca.
Com isso vou estar ficando por aqui, depois de ter sido preterida apesar de todo meu comprometimento e minha multifuncionalidade, diante da opinião do gestor de minha unidade de que eu não possuo o adequado perfil gerencial, mas com todos os devidos agradecimentos por ter gerenciado e atuado sozinha no setor, durante período (de dois meses) de ausência temporária de pessoa qualificada para lidar com as demandas logísticas do segmento.
Tudo bem, beleza, tah tranqüilo, agora posso me dedicar com mais qualidade ao compromisso com minha família e comigo, procurar uma atividade física, dormir até mais tarde, fazer horas extras só quando da minha vontade e não corriqueiramente como incorporadas ao horário obrigatório e ainda planejar outras alternativas e opções de investimento na minha carreira profissional. A propósito, obrigada Sr. Gestor da unidade. Nada como uma boa puxada de tapete...